segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Ideologia Arboreofóbica



Estive numa festinha de crianças nesse fim de semana. E lá, entre salgadinhos, docinhos e refrigerantes em um local agradabilíssimo (porque em um ambiente repleto de árvores) os adultos começaram a falar de chuva e de árvores.
Foi um final de semana com chuva, muito bem vinda, aliás, pois a cidade estava sedenta dela. Na conversa, lembraram-se de outros períodos chuvosos e dos acidentes com árvores caídas na cidade. Logo percebi uma certa unanimidade do grupo na qual as árvores são perigosas. Foram-se somando argumentos como o de que a maioria das árvores está doente, não há mais um serviço público de qualidade para avaliar e fazer a manutenção das mesmas, que era um perigo muito grande andar de carro em dias de chuva na cidade porque as árvores estão muito grandes etc.
Fiquei intrigada com esse olhar tão negativo para as árvores da nossa cidade. Tá certo que tratava-se de um grupo pequeno e nada representativo, mas eu acabei somando esses pontos de vista com o que a imprensa costuma informar sobre o tema. E as abordagens são predominantemente negativas. Árvores doentes, árvores que caem e ameaçam a vida e o patrimônio dos moradores, árvores que sujam as calçadas, árvores que não são podadas etc.
Há mesmo uma ideologia contra as árvores em Maringá. E não pode haver maior absurdo do que esse, pois a cidade, sem elas, seria insuportavelmente quente! Qualquer ser humano percebe isso, basta andar por uma rua sem elas em um dia de verão.
Árvore também se transformou em um poluidor visual para o comércio, não? Opa! Não só para esse setor, mas também para igrejas e outros monumentos arquitetônicos de beleza ‘cimental’ duvidosa...
Tenho uma amiga que mora em um condomínio fechado em que a maioria dos moradores decidiu cortar todas as árvores dali que estivessem na área coletiva. Só restou uma árvore, que fica na área privada da casa dessa amiga. Agora, nos dias quentes, todos os carros das visitas do condomínio disputam a única sombra que há... Absurdo! As árvores lá foram cortadas baseadas em argumentos higienizantes: as árvores sujam muito as calçadas, atraem animais (como morcegos, ui!) etc...
Árvore e chuva
Bem, a experiência de ser arqueóloga e antropóloga me fez aprender algumas regras de andar na mata. Uma delas é a de que, se uma chuva torrencial lhe pega no meio de uma caminhada na mata, a primeira coisa a fazer é procurar o lugar mais alto e mais distante dos cursos d’água (sabe como é, um filete de água pode se transformar em um rio em pouco tempo). A segunda coisa é ficar quietinha, nada de prosseguir na caminhada, pois a chuva provoca mesmo a queda de galhos. E ser alvo deles pode ser fatal.
Obviamente, transportei esse saber para essa cidade, deliciosamente cheia de árvores. Assim, quando chove torrencialmente, não dirijo. Simples.
Não dá para evitar? Então trafegue pelas vias com menos árvores, dirija devagar e tenha o seguro do carro em dia.
Socorro!! Árvore não é problema, é solução! Ela dá algum trabalho? Dá, mas tudo na vida dá trabalho. Ela não representa um ônus. O que ela demanda deve ser encarado como investimento e não ônus. A sua ausência sim, é um ônus.
Sabe o que eu penso? Penso que esse discurso recorrente contra as árvores é mesmo uma ideologia de um liberalismo do mais tacanho possível. E de onde vem o liberal? Vem dessa característica de desqualificar tudo o que é público. Sucatear o público. Disso entendemos bem, saúde: sucateada. Educação: sucateada... As árvores são públicas, não? Então vai-se minando sua manutenção. Não há investimento no serviço público para podá-las, recolher folhas e galhos caídos, verificar sua saúde, substituí-las (e não suprimi-las) etc. A cidade cresce, aumenta o número de árvores, aumenta o número de contribuintes, mas não o investimento na infra-estrutura da cidade – incluindo as árvores.
Enfim, o sucateamento começa com a desqualificação das árvores. Nos discursos da imprensa e do governo municipal, elas aparecem como um problema, um entrave para a cidade. Emerge uma ideologia arboreofóbica e ela já contamina os incautos com eficiência.
O que fazer?

Um comentário:

Anônimo disse...

Val, maravilhoso o texto. Verdades cruas, inteligentemente retiradas de uma situação trivial, mas que tem de fato a dimensão que você projeta no post. Quanto ao "filete de água" que se transmuda rapidamente em rio, sou testemunha destas situações, as quais vivi muitas vezes nas matas da Transamazônica. Eu via o "corguinho" virar uma torrente brava e pensava: só filmando pros outros acreditarem mesmo. Perfeitíssimo o seu termo "ideologia arboreofóbica"!! Parabéns. abs