domingo, 14 de setembro de 2008

Quando o âmbito público faz falta


A ideologia contemporânea ocidental coloca a ênfase no indivíduo. O indivíduo é o centro da sociedade. Sociedade? Há dúvidas quanto à possibilidade de uma sociedade de indivíduos (nada a ver com o livro de Nobert Elias... ou quase.) numa ideologia do individualismo. Há coisas como a idéia de que o desenvolvimento da sociedade ocidental (pós-)moderna promoverá a completa ausência do Estado ou de instâncias públicas.
O discurso e a moral do individualismo estão impregnados no nosso dia-a-dia. Esse papo de sucesso, liderança, felicidade etc. focam no indivíduo: Você pode, sozinho, alcançar o seu sucesso e ser feliz. Se não conseguir, a culpa é sua. É tudo com você.
Não vivemos o boom dos livros de auto-ajuda? Tudo parte ou termina no indivíduo.
A ênfase no corpo é outro suporte do individualismo. Nunca se falou tanto do corpo, templo do indivíduo. E se vai na corrente achando que é isso aí mesmo, cada um cuidando de si e todos chegarão à felicidade.
Mas a gente vai percebendo sinais de que a coisa não é tão simples assim. Não dá para ficarmos com o foco só no indivíduo.
Sei lá, meu pensamento antropológico não me deixa esquecer que uma das premissas que nos faz humanos é a nossa característica social.
Somos animais sociais.
(...)
Tudo isso para dizer que fiquei a pensar na tragédia divulgada pela imprensa nos últimos dias a respeito de dois meninos, assassinados pelo pai e madrasta. O ponto que me chamou a atenção é sobre a informação de que essas crianças já tinham um histórico de violência doméstica registrado no conselho tutelar. Inclusive já teriam, por conseqüência dessa violência, sido recolhidas em abrigos. Dias antes da tragédia teriam fugido de casa e pedido ajuda das instâncias públicas. Estas acharam por bem, devolvê-las à família.
Essa última atitude do poder público tem sido alvo de críticas. Afinal, com esse histórico, deveriam ter dado outra solução. O que, talvez, teria evitado o destino trágico das crianças.
Vejo nessa lamentável notícia da impressa nacional um exemplo nefasto do individualismo.
Também a criança deixou de ser uma responsabilidade social e passou a ser, prioritariamente, uma responsabilidade individual. Mais precisamente, uma responsabilidade quase exclusiva da família.
Se uma criança apresenta problemas sociais (é violenta – rouba, usa drogas, trafica drogas, mata etc.) a sua causa é antes de origem individual, do que social. Ou seja, as justificativas centram-se no seu histórico psico-familiar (seu pai/mãe é assim/assado e, portanto, desenvolveu traumas, psicopatias etc., ou não desenvolveu qualidades psicossociais etc.). O contexto sócio-econômico é quase que totalmente desconsiderado.
Partindo-se dessa premissa, o estado se exime de qualquer poder de intervenção. Ou então, sua intervenção é entendida como quase ineficaz. Pois se tudo se origina e é responsabilidade da família, é lá onde tudo deve ser resolvido ou ajustado.
Essa tem sido a orientação das políticas públicas.
Se a tragédia com as crianças paulistas não tivesse ocorrido, nenhum questionamento seria feito sobre a ação do conselho tutelar.
A infância está com os dias contados e a criança não é mais de interesse social. Portanto, deixa de ser alvo de intervenção e investimento do Estado.
Esse é um dos lados negativos do individualismo.

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