quinta-feira, 8 de novembro de 2007

RESPOSTA LONGA, MAS NECESSÁRIA

Uma leitora fez algumas observações ao meu texto sobre aquela infeliz fala da D. Ana M. Braga. Ao lê-la me vi na necessidade de me deter em responder adequadamente, pois é um tema que muito me afeta. Sinto que temas assim precisam ficar bem claros. Então, vamos ao que a leitora disse e em seguida apresento minhas ponderações. Antes de tudo, vale o esclarecimento que ela afirma ser psicóloga:
“Atendo muitas mulheres em meu consultório, infelizes por não poderem ser mães de verdade de seu filhos, mulheres sofridas e estressadas por terem que encarar tantas dificuldades fora de casa, elas só queriam ser pessoas e mães, mas agora são apenas trabalhadores, que só cabe na frieza e indelicadeza dos seres do sexo masculino, muitas mulheres só queriam ser mulher mas não ocupar o espaço dos homens”.
Essa situação, de trabalharem demais e não poderem se dedicar ao lar e aos filhos em nada tem a ver com a condição contemporânea da liberdade feminina. Apenas como um exemplo, basta lembrar das mulheres no campo, do passado e algumas do presente. Fiquemos com as do passado, já que o tema é sobre as mulheres antes e depois do feminismo. Mulheres do campo do século XIX. Interior do Rio Grande do Sul. O cotidiano dessas mulheres era de acordar muito cedo (4 da matina), fazer o pão, iniciar o almoço, preparar a casa e os equipamentos para o trabalho no campo. O homem acordava pouco tempo depois, comia o seu desjejum previamente preparado e seguia com a mulher para o trabalho na agricultura. As crianças (sempre mais de três) ficavam aos cuidados de uma mulher mais velha (uma avó) ou de uma criança mais velha (geralmente uma menina a partir dos oito anos). Algumas mulheres levavam o almoço, outras esperavam que uma das crianças trouxesse a comida. O final do trabalho era sempre quando a luz do sol não permitia mais a presença no campo. A mulher, mãe e esposa, chegava a casa e ainda dava conta da demanda doméstica (que nem vou listar aqui e que dá para imaginar). O marido ia primeiro para a cama, enquanto ela terminava o serviço. Enfim, ela era a primeira a levantar e a última a ir dormir. Quando via os filhos? Quando curtia sua casa? O destino de suas filhas não seria outro a não ser este.
Outro trecho da leitora:
"Vejo hoje muitas de nós nos butecos enchendo a cara até amanhecer o dia e mendigando homens, será que essa falsa "liberdade" foi bom para nós? O número de mulheres aidéticas aumenta a cada dia, o número de mulhres envolvidas no crack da mesma forma, será que o que é melhor a burka das mulçulmanas que preservam a sua intimidade ou a Carla Perez que pra fazer sucesso tinha que simular relação sexual com uma garrafa em frente a uma multidão pra ganhar dinheiro? Será que conquistamos liberdade ou nos tornamos mais escravas do que nunca???!!!"
Mulheres que se drogam e que dependem afetiva e sexualmente dos homens sempre existiram, isso não é um fenômeno contemporâneo e não tem relação com a liberdade.(Veja por exemplo aqui sobre mulheres viciadas no século XIX)
Outro aspecto importante. Não é possível julgar a liberdade da Carla Perez comparando-a com a burka das mulheres de religião islâmica. Aí se trata de culturas diferentes, com valores diferentes. Colocar desta forma é generalizar culturas por sua caricatura e isso, no mínimo, não é correto. Se assim fosse eu poderia dizer que a religião que impõe a burka (e por sua vez, a obediência) é a mesma que decepa a mão de um ladrão (e por sua vez, a violência)...
A sociedade que permite a liberdade a Carla Perez de passar essa imagem de mulher é também a que me dá liberdade de produzir outros modelos, como o de Doris Lessing, Clarice Lispector, Nélida Piñon (Ou para ficarmos apenas nas atrizes e cantoras nacionais: Fernanda Montenegro, Mônica Salmazo ou Letícia Sabatella) E é essa liberdade que me permitirá ensinar a minha filha qual a imagem de feminino que pode ser mais adequada para sua própria liberdade e respeito por si mesma.
Prá finalizar, o importante é atentarmos que ainda não descobrimos uma forma de viver em sociedade que seja perfeita, sem problemas sociais. Contudo, nossa história nos ensinou algumas coisas que não podemos descartar. E uma delas é a liberdade. Viver em liberdade é algo que não podemos abrir mão. É uma conquista resultante de muitos anos, que engoliu muitas gerações.
Uma coisa é você ser mulher e poder optar entre ser dona de casa, rainha do lar e do marido. Tudo bem. Outra coisa é você viver em uma sociedade em que essa é a única condição para seu futuro de mulher.
É claro que existem muitas mulheres em condições sociais desumanas onde não existe possibilidade de escolha. Mas essas são situações afetam também os homens. São pessoas que vivem condições desumanas, que estão na esfera dos problemas sociais. O que estamos tratando aqui é de princípios humanos mais gerais.
Reafirmo que a gracinha da tal senhora (do programa matinal da Globo) foi infeliz por que trocar a liberdade por prato de comida não é uma opção válida. Não é uma opção que se coloque. Ela é moral e eticamente inadequada.

2 comentários:

Anônimo disse...

Val, gostei de suas ponderações, carregadas de conhecimento e do desejo de ajudar a reconstruir nossa sociedade, pra melhor, é claro. Sei que você tem cátedra pra isso. E de sobra. Admiro-a muito pelo pouco que lhe sei. Amizade nova é assim mesmo, admito.
Também não censuro as palavras de sua leitora; toda discussão é saudável. Tenho pra mim que dos conflitos iniciais de interesses é que surgem as melhores idéias, o amadurecimento das soluções permanentes.
Ela falou a partir de sua experiência profissional em consultório de psicologia; você, de sua profundidade na vivência, estudo e pesquisa antropológicos. Ambas merecem meu respeito.

Em meu escritório já tive diversas “oportunidades” de advogar “contra mim”. É isto mesmo! Deixei de ganhar meu sustento, unicamente porque, por exemplo, uma cliente queria se separar porque ela disse que trabalhava muito (numa grande indústria da cidade) e seu marido não lhe dava atenção. Ouvindo os dois em dias distintos, olha o que vi: ela trabalhava das 22h00m às 06h00 na indústria; ele trabalhava das 09h00m às 17h00m numa grande loja, e à noite (enquanto ela estava na indústria), ele entregava (de bicicleta) dois jornais da cidade, chegando em casa por volta das 05h00m. Resumo: discorri breve a ela sobre a mulher moderna, e que um marido daqueles não se jogava fora, e que aquela luta era apenas momentânea, necessária, e que em breve os frutos viriam. E vieram mesmo: construíram uma bela casa no Oásis, têm um bom carro e as crianças estudam lá perto. São felizes a moda deles. Hoje eles são meus amigos. Ela não trabalha mais na indústria; ele só trabalha de dia, picareteando pequenos negócios e entregando panfletos dum desses bancos que só fazem empréstimos pessoais.

Agora, quanto às palavras da Ana Maria, muito embora elas tivessem uma força muito grande pelo veículo que as carregaram, não me descuro do fato de que nosso povo, sobretudo as mulheres brasileiras, SABEM que aquilo foi tão verdadeiro quanto uma miragem nas areias do Saara. Tal qual aquelas areias, as palavras de ANA estão apenas nos anais "globelezas", mas já foram levadas pelo vento, e hoje adormecem sob as dunas do esquecimento. BOA SEMANA PRA VOCÊ E A FILHONA LINDA!

Anônimo disse...
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