A coisa tá meio complicada em casa.
A filhota está entediada porque pegou catapora e não pode ir para a escola.
Eu remando na produção de um texto cujo tema eu não gosto (brigo comigo mesma por aceitar esses pedidos... Ai essas dificuldades de dizer ‘não’!). Escrevo, apago, leio, volto, confiro os e-mails, volto, sofro para escrever mais duas frases...
Insatisfação!
De repente as palavras começam a fluir. Um parágrafo! Opa! Ainda não é aquilo que eu esperava, mas já melhorou. Fico esperançosa que o ritmo começa...
Aí...
Aí toca o telefone. Uma voz feminina anuncia ser representante de uma operadora de cartões e que esta possui um convênio com a BlockBuster. Aquela empresa que aluga filmes. E aí a moça me oferece um cartão da Mastercard com o ícone da BlockBuster. Diz ela que eu posso pagar os aluguéis dos filmes com o tal cartão (como se eu já não fizesse isso com os cartões de crédito que já possuo...) e outros blá blá blá. E eu só: Unrum... Unrum... Telefone na orelha, olhos no monitor, no texto que preciso vencer, alcançar. Até que a voz feminina pede que eu confirme meus dados cadastrais. Pergunta minha data de nascimento. Respondo automaticamente ainda tentando prestar mais atenção ao texto... Ela pede a seguir meu CPF. Eu penso: “Meu cpf...” Começo a dizer os primeiros números e paro. Peraí! Que negócio é esse? Só então me desligo de vez do texto e foco no diálogo via telefone.
Digo para ela: “Olha, eu não lhe conheço e acho muito suspeito você pedir meus dados pessoais de cpf e etc. Não vou fornecer nada e estou muito ocupada com outras coisas agora”. A voz do outro lado insiste um pouco, mas como sou irredutível ela desiste e nos despedimos educadamente.
Contudo, o telefonema deixou-me por demais aborrecida. Aborrecida por me ter feito perder o ritmo de escrita tão sofrivelmente alcançado e por me deixar com a sensação de invasão.
Eu fico me perguntando se eu assinei alguma autorização em letras miúdas para a BlockBuster que permita divulgar meus dados cadastrais a outras empresas... De qualquer forma, nossos dados cadastrais circulam sem o menor pudor por aí. Não temos domínio deles. Somos refém dessa rede de fomento ao consumo.
As empresas de cartões de crédito vivem produzindo e reproduzindo cartões com nossos nomes e quase nos impondo-os. Pergunto: elas podem fazer isso impunemente? Que direito elas possuem de manipularem assim os meus, os seus, os nossos dados pessoais de pessoa-economicamente-viável?
É um bombardeio constante de tentativas invasivas para nos saquear, nos vampirizar até nos tornarmos pessoas-economicamente-inviáveis.
Acho que o meu incômodo talvez venha de uma certa ingenuidade, de crer que a gente ainda tem alguma privacidade...
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Um comentário:
Val, escrever sobre tema que a gente não gosta é uma prova de fogo; daquelas que vida manda só pra gozar a gente. Mas com jeitinho e cara-de-vaca-na-horta a gente vai entrando no tema, tipo de quem entra no mar sem saber nadar, assim meio cabreiro, com medo do fundo, do caranguejo no dedão... E o marzão está ali todo em volta e adiante da gente.
E vamos indo, caminhando. A água vai chegando acima da cintura. Dá vontade voltar, mas seguimos um pouquinho mais. Uma onda topa desconfortável o peito da gente, damos umas braçadas, engolimos um pouco de água, o outro tanto entra no olho, arde. Damos uma disfarçada cusparada daquela coisa salgada (ninguém tá vendo a gente mesmo.). Mas mesmo assim vamos indo. De repente nos damos conta que já fomos muito longe, e aí olhamos pra trás. – Virgem santa, a praia tá lá longe? Então é hora de parar e voltar. Pronto, é sinal de que o texto chegou ao fim (brainstorm; a popular tempestade de idéias, de criação). Agora é só revisar, mas sem cair na armadilha do querer criar de novo.
Pois então. É assim o meu processo de escrever minhas petições (muitas vezes sobre um tema que também não gosto, mas a defesa tem de sair a fórceps), meus contos, crônicas, poesias, compor músicas, etc. Quando crio não julgo, mas depois quando vou julgar o que fiz, não crio mais. Cuido pra não ocorrer isso.
Agora, quanto à cartoneira-mocinha do telefonema, você foi de uma calma fora do comum. Eu já teria chutado-o-balde na primeira. Mas é bom tomar cuidado. Ficar atenta, alerta. Realmente não temos mais privacidade. Hoje é possível sabermos sobre todos os documentos das pessoas sem que elas saibam. Um perigo o mau uso disso. A coisa se avulta quando se trata de cartão de crédito.
Respondo à sua indagação: - as empresas de cartões não podem impor nada a ninguém, ficar mandando cartão pras pessoas, etc., sem que elas tenham pedido o tal. E é bem por causa da manipulação de dados (de que você falou) que os Juizados Especiais Cíveis estão abarrotados de pedidos de indenizações. Mas as empresas não ligam não: pra cada indenização máxima de até R$15,2 mil paga (ou seja, 40 salários) – embora a maioria das condenações gire em torno de R$4 ou R$5 mil – certamente elas tiveram lucros astronômicos em contrapartida por causa daqueles milhares de consumidores que não reclamaram e acabaram se tornando, como você falou, em pessoas economicamente inviáveis, seprocadas, serasadas, protestadas e outros adas mais. Entendeu?
Meu comentário também daria um post, não. Boa recuperação à saúde da filha, viu?
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